Há mortos que não morrem!
Falavas de
Hiroxima tu que nunca viste
em cada homem
um morto que não morre.
Sim nós
sabemos Hiroxima é triste
mas ouve em
Nambuangongo existe
em cada homem
um rio que não corre. Manuel Alegre, in
«Nambuangongo, meu amor».
Também nós, eu e os meus camaradas do Batalhão de
Caçadores n.º 4513, na Guiné, os quais espero abraçar (nunca sabemos se é o
último abraço!) no próximo dia 9 de Junho em Guimarães, tivemos em Nhacobá, e
noutros sítios de lá, o nosso «rio que não corre».
Sim, espero reencontrar, abraçar, apertar bem os ossos,
porque cada vez mais amiúde – é a lei da vida!- chegam notícias tristes de
alguns que vão partindo. E, com eles, parte algo de nós, que só quem lá esteve
compreende.
Pois é, em cada um que parte, como escreveu Manuel
Alegre, fica um morto que não morre, até que morra o último de nós. Fica a
amizade, a camaradagem, as memórias, as lágrimas e as gargalhadas que
partilhámos. Sabem? Acho que com a idade estou a ficar piegas.
Bem. Tudo isto vem a propósito da notícia que acabo de
ler de que um militar morto em Angola, em 1961, e abandonado no Cemitério de
Sassa, no Caxito, vai ser trasladado para Portugal, para a terra natal.
A sua campa foi descoberta (reza a notícia) em 2005 e
todas as diligências da irmã junto das autoridades portuguesas apenas obtiveram
mensagens a acusarem a recepção dos apelos ou “umas palmadinhas nas costas” do
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Pois é, os mortos não votam.
E, passados tantos anos, até as famílias de alguns já os esqueceram. É triste,
mas existe.
As despesas da trasladação, essas serão pagas pela irmã
do militar, que desabafa: “O Estado português,
o nosso Estado nada fez pelos militares que lá ficaram. Levou-os para lá, mas
para os trazer de volta nada fez”.
Abandono, é o sentimento que temos todos aqueles que lá
estiveram. E isso dói. Abandono na morte, mas também abandono em vida em
relação àqueles que viram as suas vidas destruídas devido às consequências
psicológicas trazidas das «matas» de além-mar.
Não queremos esmolas, vivemos e construímos, melhor ou
pior, as nossas vidas nos últimos 44 anos, sózinhos, com muitas lágrimas,
raivas e desencantos. Mas é nos devido respeito e reconhecimento. E, o maior
reconhecimento, estou certo, seria virmos a saber que o Governo português iria
fazer todos os possíveis ao seu alcance para que nem um só corpo dos soldados
mortos na Guerra Colonial ficasse abandonado em terra estranha, em campas
consumidas pelo capim ou profanadas.
Afinal, o custo seria bem menor do que algumas mordomias e
prebendas dos políticos que herdaram a democracia em bandeja de prata. E,
podem-me chamar populista à vontade. É que eu – desgraçado pássaro que nasce em
mau ninho!- sou daqueles que desejo que as minhas cinzas sejam depositadas no
meu chão de raíz. Por isso, compreendo e louvo o esforço dos familiares que ambicionam
que os seus mortos repousem perto deles. É o mínimo reconhecimento que se pode
exigir para quem deu a vida pela Pátria. Independentemente das culpas
históricas em relação à Guerra.
Mas não tenho esperança. E não tenho esperança porque,
passe a inconveniência política e a fanfarronice, acho que a nossa geração,
camaradas, foi a última geração de portugueses com «tomates». Hoje, a coragem e
os valores foram substituídos pelas «carreiras»: políticas e profissionais.
«In vino
veritas», acabou-se a garrafa de
Bairrada, o vinho da minha juventude, da saudade e, espero, do meu fim de vida.
Pelo Nosso Companheiro
ex.alferes miliciano da 3ª Companhia
Marques da Silva