Uma relação forte que o nosso ex.Companheiro Marques da Silva, com as vivências na Guiné, trago-vos alguns escritos que o próprio publicou num Jornal em Macau onde esteve radicado muitos anos, mas que á nossa "causa"sempre se Juntou. A seu pedido aqui vão os 2 artigos
Guiné: maio de 1973 (II)
“Sobretudo, não desesperar.
Não cair no ódio, nem na renúncia. Ser homem no meio de carneiros, ter lógica
no meio de sofismas, amar o povo no meio de retórica”.
Miguel Torga, Diário, IV, 3.ª
edição, página 45.
No último artigo deixei
aqui um resumo da situação da guerra colonial na Guiné, em Maio de 1973,
conforme a Acta de uma reunião no Comando Chefe, realizada no dia 15 desse mês
e ano, entretanto desclassificada. Assim, para localizar aqueles que,
porventura, não tenham lido o texto do passado dia 1 de Março, transcrevo a
síntese: “O General Spínola realçou ainda
a «precariedade dos meios actuais» face ao «súbito agravamento registado e na
previsão da sua continuidade a ritmo mais acelerado”. E, como prometido,
dar-vos-ei mais alguns dados sobre a realidade militar de então naquela
ex-colónia portuguesa.
Perguntarão os mais
jovens sobre a importância para eles desta realidade histórica com quase meio
século. A minha resposta é simples e está plasmada na citação de Torga que encima
este texto. É que toda a guerra é ódio e, num mundo de confrontos e de
conflitos, ser homem é não desesperar nem renunciar à luta por um mundo melhor
e mais fraterno, de convivência e de paz. E sabem que a guerra me ensinou que
os maiores amantes da paz são muitos daqueles que foram obrigados a fazer a
guerra? Nós conhecemos dela os horrores. Por isso desejamos paz e que nem mais
um jovem seja compelido a matar. Nós nunca esqueceremos a angústia que era a
quase certeza da ida para a guerra que nos perseguiu na nossa infância e que
impediu muitos de gozar em plenitude a sua juventude: casar antes de cumprido o
serviço militar obrigatório, por exemplo, era um acto no mínimo temerário. Por
isso sempre repudiei sem tibiezas a ditadura fascista que em Portugal suportou
politicamente a guerra colonial. Isto numa altura em que os países democráticos
e o Ocidente repudiavam já o colonialismo e feriam de morte os intuitos
salazaristas de um «Portugal do Minho a Timor». Como rejeito todas as
ditaduras, de esquerda ou de direita, porque são (embora sem o exclusivo) potenciais
focos de violência.
Vejamos então, mais
algumas notas da acta referida, ainda com palavras do General António de
Spínola, Governador e Comandante-Chefe: «Encontramo-nos, indiscutivelmente, na
entrada de um novo patamar da guerra, o que necessariamente impõe o
reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios».
Concretizando, o
Comandante da Zona Aérea, Coronel Moura Pinto, afirmou: «A utilização pelo IN,
no T.O. da Guiné de mísseis terra-ar STRELA, originou profundas alterações nos
procedimentos da Força Aérea, como ainda das FS. Mas para além disso originou
também condicionamentos e restrições que são consequência das imperiosas
medidas de segurança decorrentes das características obsoletas e inadequadas
das aeronaves de que se dispõe, frente a um IN na posse de armas antiaéreas
moderníssimas e eficientes. Como resultante de uma dessas medidas de segurança
todas as aeronaves passaram a actuar no mínimo em parelhas, vigiando-se
mutuamente, o que de imediato resulta, em termos gerais, numa duplicação da
utilização, desgaste e esforço do pessoal e dos meios e uma subida vertical do
grau de risco, sem que apesar disso se possa evitar uma quebra muito sensível
no benefício para as FS do apoio que a FAP poderá continuar a dar. (…) Por
motivos de segurança houve que interditar, para DO-27, 36 pistas do T.O., cuja
relação foi já aqui apreciada nas reuniões preparatórias. (…) Nas missões de
ataque ao solo teve de ser eliminado o avião T-6, ficando aquelas missões desde
agora cometidas aos FIAT G-91 em condições que impõem uma ligação terra-ar
eficiente o que se não julga possível com os meios actuais, e além disso, uma
perfeita identificação dos objectivos e sua precisa indicação pelas FS aos
aviões, o que raramente será possível em termos de eficácia do apoio, atentas
as características do terreno em que actuam as FS e as modalidades de acção
actual do IN. (…) A utilização dos helicópteros AL-III tem de sofrer também
condicionamentos que se reflectem na eficácia das missões em que eram
empregues, atentas as medidas de segurança imposta, e que se projectam nas
helideslocações, evacuações da proximidade imediata do local de acção,
recuperação de forças e TMAN no decorrer das operações. Além do mais, as pistas
interditas para os DO ficarão de futuro condicionadas para a utilização de
helicóptero».
Do que se deixou
transcrito resulta à evidência que o Governo da ditadura derrubada pelos militares
no dia 25 de Abril, em Portugal, tratava os seus soldados como carne para
canhão, abandonando-os à sua sorte, sem meios de defesa, sem abastecimentos
essenciais e sem meios de socorro capazes e persistia na sua cegueira de fazer
tábua rasa do direito dos povos à sua autodeterminação e na insensatez e na
hipocrisia de querer fazer omeletes sem ovos.
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