sexta-feira, 15 de março de 2019

MARÇO 1973 I

Uma relação forte que o nosso ex.Companheiro Marques da Silva, com as vivências na Guiné, trago-vos alguns escritos que o próprio publicou num Jornal em Macau onde esteve radicado muitos anos, mas que á nossa "causa"sempre se Juntou. A seu pedido aqui vão os 2 artigos 
Guiné: maio de 1973 (II)

“Sobretudo, não desesperar. Não cair no ódio, nem na renúncia. Ser homem no meio de carneiros, ter lógica no meio de sofismas, amar o povo no meio de retórica”. 

Miguel Torga, Diário, IV, 3.ª edição, página 45. 
No último artigo deixei aqui um resumo da situação da guerra colonial na Guiné, em Maio de 1973, conforme a Acta de uma reunião no Comando Chefe, realizada no dia 15 desse mês e ano, entretanto desclassificada. Assim, para localizar aqueles que, porventura, não tenham lido o texto do passado dia 1 de Março, transcrevo a síntese: “O General Spínola realçou ainda a «precariedade dos meios actuais» face ao «súbito agravamento registado e na previsão da sua continuidade a ritmo mais acelerado”. E, como prometido, dar-vos-ei mais alguns dados sobre a realidade militar de então naquela ex-colónia portuguesa.
Perguntarão os mais jovens sobre a importância para eles desta realidade histórica com quase meio século. A minha resposta é simples e está plasmada na citação de Torga que encima este texto. É que toda a guerra é ódio e, num mundo de confrontos e de conflitos, ser homem é não desesperar nem renunciar à luta por um mundo melhor e mais fraterno, de convivência e de paz. E sabem que a guerra me ensinou que os maiores amantes da paz são muitos daqueles que foram obrigados a fazer a guerra? Nós conhecemos dela os horrores. Por isso desejamos paz e que nem mais um jovem seja compelido a matar. Nós nunca esqueceremos a angústia que era a quase certeza da ida para a guerra que nos perseguiu na nossa infância e que impediu muitos de gozar em plenitude a sua juventude: casar antes de cumprido o serviço militar obrigatório, por exemplo, era um acto no mínimo temerário. Por isso sempre repudiei sem tibiezas a ditadura fascista que em Portugal suportou politicamente a guerra colonial. Isto numa altura em que os países democráticos e o Ocidente repudiavam já o colonialismo e feriam de morte os intuitos salazaristas de um «Portugal do Minho a Timor». Como rejeito todas as ditaduras, de esquerda ou de direita, porque são (embora sem o exclusivo) potenciais focos de violência.
Vejamos então, mais algumas notas da acta referida, ainda com palavras do General António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe: «Encontramo-nos, indiscutivelmente, na entrada de um novo patamar da guerra, o que necessariamente impõe o reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios».
Concretizando, o Comandante da Zona Aérea, Coronel Moura Pinto, afirmou: «A utilização pelo IN, no T.O. da Guiné de mísseis terra-ar STRELA, originou profundas alterações nos procedimentos da Força Aérea, como ainda das FS. Mas para além disso originou também condicionamentos e restrições que são consequência das imperiosas medidas de segurança decorrentes das características obsoletas e inadequadas das aeronaves de que se dispõe, frente a um IN na posse de armas antiaéreas moderníssimas e eficientes. Como resultante de uma dessas medidas de segurança todas as aeronaves passaram a actuar no mínimo em parelhas, vigiando-se mutuamente, o que de imediato resulta, em termos gerais, numa duplicação da utilização, desgaste e esforço do pessoal e dos meios e uma subida vertical do grau de risco, sem que apesar disso se possa evitar uma quebra muito sensível no benefício para as FS do apoio que a FAP poderá continuar a dar. (…) Por motivos de segurança houve que interditar, para DO-27, 36 pistas do T.O., cuja relação foi já aqui apreciada nas reuniões preparatórias. (…) Nas missões de ataque ao solo teve de ser eliminado o avião T-6, ficando aquelas missões desde agora cometidas aos FIAT G-91 em condições que impõem uma ligação terra-ar eficiente o que se não julga possível com os meios actuais, e além disso, uma perfeita identificação dos objectivos e sua precisa indicação pelas FS aos aviões, o que raramente será possível em termos de eficácia do apoio, atentas as características do terreno em que actuam as FS e as modalidades de acção actual do IN. (…) A utilização dos helicópteros AL-III tem de sofrer também condicionamentos que se reflectem na eficácia das missões em que eram empregues, atentas as medidas de segurança imposta, e que se projectam nas helideslocações, evacuações da proximidade imediata do local de acção, recuperação de forças e TMAN no decorrer das operações. Além do mais, as pistas interditas para os DO ficarão de futuro condicionadas para a utilização de helicóptero».
Do que se deixou transcrito resulta à evidência que o Governo da ditadura derrubada pelos militares no dia 25 de Abril, em Portugal, tratava os seus soldados como carne para canhão, abandonando-os à sua sorte, sem meios de defesa, sem abastecimentos essenciais e sem meios de socorro capazes e persistia na sua cegueira de fazer tábua rasa do direito dos povos à sua autodeterminação e na insensatez e na hipocrisia de querer fazer omeletes sem ovos.

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